Подборка стихотворений Софии де Мелло Брейнер Андресен (на португальском языке). Фото поэтессы

Подборка стихотворений Софии де Мелло Брейнер Андресен (на португальском языке). Фото поэтессы

SOPHIA, A VOZ QUE FICA

Selecta de Rui Mendes

Porque

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

 

Com fúria e raiva

Com fúria e raiva acuso o demagogo
E o seu capitalismo das palavras

Pois é preciso saber que a palavra é sagrada
Que de longe muito longe um povo a trouxe
E nela pôs sua alma confiada

De longe muito longe desde o início
O homem soube de si pela palavra
E nomeou a pedra a flor a água
E tudo emergiu porque ele disse

Com fúria e raiva acuso o demagogo
Que se promove à sombra da palavra
E da palavra faz poder e jogo
E transforma as palavras em moeda
Como se fez com o trigo e com a terra

MEDITAÇÃO DO DUQUE DE GANDIA
SOBRE A MORTE DE ISABEL DE PORTUGAL
.

Nunca mais

A tua face será pura limpa e viva

Nem o teu andar como onda fugitiva

Se poderá nos passos do tempo tecer.

E nunca mais darei ao tempo a minha vida.

Nunca mais servirei senhor que possa morrer.

A luz da tarde mostra-me os destroços

Do teu ser. Em breve a podridão

Beberá os teus olhos e os teus ossos

Tomando a tua mão na sua mão.

Nunca mais amarei quem não possa viver

Sempre,

Porque eu amei como se fossem eternos

A glória, a luz e o brilho do teu ser,

Amei-te em verdade e transparência

E nem sequer me resta a tua ausência,

És um rosto de nojo e negação

E eu fecho os olhos para não te ver.
Nunca mais servirei senhor que possa morrer.
Mar Novo, 1958

O AMOR
.
Não há para mim outro amor nem tardes limpas

A minha própria vida a desertei

Só existe o teu rosto geometria

Clara que sem descanso esculpirei.
E noite onde sem fim me afundarei.
O Cristo Cigano, 1961

A PEQUENA PRAÇA

A minha vida tinha tomado a forma da pequena praça

Naquele Outono em que a tua morte se organizava meticulosamente

Eu agarrava-me à praça porque tu amavas

A humanidade humilde e nostálgica das pequenas lojas

Onde os caixeiros dobram e desdobram fitas e fazendas

Eu procurava tornar-me tu porque tu ias morrer

E a vida toda deixava ali de ser a minha

Eu procurava sorrir como tu sorrias

Ao vendedor de jornais ao vendedor de tabaco

E à mulher sem pernas que vendia violetas

Eu pedia à mulher sem pernas que rezasse por ti

Eu acendia velas em todos os altares

Das igrejas que ficam no canto desta praça

Pois mal abri os olhos e vi foi para ler

A vocação do eterno escrita no teu rosto

Eu convocava as ruas os lugares as gentes

Que foram testemunhas do teu rosto

Para que eles te chamassem para que eles desfizessem

O tecido que a morte entrelaçava em ti
Dual, 1972

CORAL
.
Ia e vinha

E a cada coisa perguntava

Que nome tinha.
Coral, 1950

POEMA DE HELENA LANARI
.

Gosto de ouvir o português do Brasil

Onde as palavras recuperam sua substância total

Concretas como frutos nítidas como pássaros

Gosto de ouvir a palavra com suas sílabas todas

Sem perder sequer um quinto de vogal

Quando Helena Lanari dizia o “coqueiro”

O coqueiro ficava muito mais vegetal
Geografia, 1967

.
SONETO DE EURYDICE
.
Eurydice perdida que no cheiro

E nas vozes do mar procura Orpheu:

Ausência que povoa terra e céu

E cobre de silêncio o mundo inteiro.

Assim bebi manhãs de nevoeiro

E deixei de estar viva e de ser eu

Em procura de um rosto que era o meu

O meu rosto secreto e verdadeiro.

Porém nem nas marés, nem na miragem

Eu te encontrei. Erguia-se somente

O rosto liso e puro da paisagem.

E devagar tornei-me transparente

Como morte nascida à tua imagem

E no mundo perdida esterilmente.
No Tempo Dividido, 1954

SOROR MARIANA – BEJA
.

Cortaram os trigos. Agora

A minha solidão vê-se melhor
O Nome das Coisas, 1977

ARTE POÉTICA

A dicção não implica estar alegre ou triste

Mas dar minha voz à veemência das coisas

E fazer do mundo exterior substância da minha mente

Como quem devora o coração do leão

Olha fita escuta

Atenta para a caçada no quarto penumbroso
O Búzio de Cós, 1997

CÁ FORA
.

Abre a porta e caminha

Cá fora

Na nitidez salina do real
Musa, 1994

A ESCRITA
.

No Palácio Mocenigo onde viveu sozinho

Lord Byron usava as grandes salas

Para ver a solidão espelho por espelho

E a beleza das portas quando ninguém passava

Escutava os rumores marinhos do silêncio

E o eco perdido de passos num corredor longínquo

Amava o liso brilhar do chão polido

E os tectos altos onde se enrolam as sombras

E embora se sentasse numa só cadeira

Gostava de olhar vazias as cadeiras

Sem dúvida ninguém precisa de tanto espaço vital

Mas a escrita exige solidões e desertos

E coisas que se vêem como quem vê outra coisa

Pudemos imaginá-lo sentado à sua mesa

Imaginar o alto pescoço espesso

A camisa aberta e branca

O branco do papel as aranhas da escrita

E a luz da vela – como em certos quadros –

Tornando tudo atento
Ilhas, 1989

DERIVA/XIII
.

Canção rente ao nada

No silêncio quieto

Da noite parada

Como quem buscasse

Seu rosto e o errasse

Navegações, 19 83