Подборка стихотворений Генриетты Лижбоа (на португальском языке)

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AMARGURA

Eu chegarei depois de tudo,
mortas as horas derradeiras,
quando alvejar na treva o mudo
riso de escárnio das caveiras.

Eu chegarei a passo lento,
exausta da estranha jornada,
neste invicto pressentimento
de que tudo equivale a nada.

Um dia, um dia, chegam todos,
de olhos profundos e expectantes,
E sob a chuva dos apodos
há mais infelizes do que antes.

As luzes todas se apagaram,
Voam negras aves em bando.
Tenho pena dos que chegaram
E as estas horas estão chorando…

Eu chegarei por certo um dia ..
assim, tão desesperançada,
que mais acertado seria
ficar em meio à caminhada.

CIRANDA DE MARIPOSAS

Vamos todos cirandar
ciranda de mariposas.
Mariposas na vidraça
são jóias, são brincos de ouro.

Ai! poeira de ouro translúcida
bailando em torno da lâmpada.
Ai! fulgurantes espelhos
refletindo asas que dançam.

Estrelas são mariposas
(faz tanto frio na rua!)
batem asas de esperança
contra as vidraças da lua.

in Menino Poeta (1943)

ROSA PLENA

Rosa plena. Em glória
de cor
de forma
de febre
de garbo.
Em auréola sobre si mesma
– estática.
Em arroubo diante da luz
– dinâmica.
Enrodilhada em aconchego de concha
buscando o núcleo.
Fugindo-lhe ao cerco
– asas aflantes flamejantes.

Rosa plena.
Turíbulo. Ostensório.
Convite à valsa dos ventos.
Tributo ao círculo – perfeição
de chegar e partir.
Cada pétala é um sonho de retorno.
E as pétalas se avolumam compactas
e esmaecidas logo se despejam
ao longo e ao largo
– no fascínio
do pretérito pelo devir.
Sangue em oblata
no altar maior.
Amor e morte
pela revelação.
Rosa plena.
Poesia
que se fez Carne.

in: A Pousada do Ser

FRUTESCENCIA

Em solidão amadurece
a fruta arrebatada ao galho
antes que o sol amanhecesse.

Antes que os ventos a embalassem
ao murmurinho do arvoredo.
Antes que a lua a visitasse
de seus mundos altos e quedos.
Antes que as chuvas lhe tocassem
a tênue cútis a desejo.
Antes que o pássaro libasse
do palpitar de sua seiva
o sumo, no primeiro enlace.

Na solidão se experimenta
a fruta de ácido premida.

Mas ao longo de sua essência
já sem raiz e cerne e caule
perdura, por milagre, a senha.

Então na sombra ela adivinha
o sol que a transfigura em sol
a suaves pinceladas lentas.
E ouve o segredo desses bosques
em que se calaram os ventos.
E sonha invisíveis orvalhos
junto à epiderme calcinada.
E concebe a imagem da lua
dentro de sua própria alvura.
E aceita o pássaro sem pouso
que a ensina, doce, a ser mais doce.

in Além da Imagem

HUMILDADE

Há muito tempo, Vida, prometeste
trazer ao meu caminho uma doida alegria
feita de espírito e de chama,
uma alegria transbordante, assim como esse
alvo clarão que se irradia
da orla festiva das enseadas,
e entre reflexos de ouro se derrama
do cântaro das madrugadas.

Eu, que nasci para um destino manso
de coisas suaves, silenciosas, imprecisas,
e que fico tão bem neste obscuro remanso
onde apenas se infiltra um perfume de brisas,
imagino a tremer: que seria de mim
se essa alegria
esplêndida, algum dia,
houvesse surpreendido a minha inexperiência!…

A vida me iludiu, mas foi sábia na essência.

Minha alegria deveria ser assim:
Pequenina doçura delicada,
gota de orvalho em pétala de flor,
sempre serena lâmpada velada
que me diluísse as brumas do interior.

Sempre serena lâmpada velada,
símbolo do meu sonho predileto…
Se amanhã tu penderes do meu teto
aureolando minha última ilusão,
– para que eu viva em teu amor e em tua paz,
deixa um rastro de sombra pelo chão…
É nesta sombra que hei de me esconder
quando sentir a falta que me faz
a outra alegria que não pude ter!

Henriqueta Lisboa – do livro Velário (1930 – 1935)

A MENINA SELVAGEM

A menina selvagem veio da aurora
acompanhada de pássaros,
estrelas-marinhas
e seixos.
Traz uma tinta de magnólia escorrida
nas faces.
Seus cabelos, molhados de orvalho e
tocados de musgo,
cascateiam brincando
com o vento.
A menina selvagem carrega punhados
de renda,
sacode soltas espumas.
Alimenta peixes ariscos e renitentes papagaios.
E há de relance, no seu riso,
gume de aço e polpa de amora.

Reis Magos, é tempo!
Ofereci bosques, várzeas e campos
à menina selvagem:
ela veio atrás das libélulas.

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1

SOFRIMENTO

No oceano integra-se (bem pouco)
uma pedra de sal.

Ficou o espнrito, mais livre
que o corpo.

A mъsica, muito alйm
do instrumento.

Da alavanca,
sua razгo de ser: o impulso,

Ficou o selo, o remate
da obra.

A luz que sobrevive а estrela
e й sua coroa.

O maravilhoso. O imortal.

O que se perdeu foi pouco.

Mas era o que eu mais amava.

ASSOMBRO

Século de assombro – este século.
De violência em progresso.
E os outros séculos?
Cada ser ao sentir o peso do mundo
não terá dito: século de assombro?

O assombro seca a própria sombra
de tanto secar a existência:
Sequidão de corações e mentes
Secura de corpo nos ossos
Legião de cegos e de inaptos
Asfixia de túneis e masmorras
Mantos e esgares de hipocrisia
Sevícia para fins de anuência
Acúmulo de monstros e monturos
– Assombro à cunha.

Porém acima de qualquer assombro
aquele assombro vindo de antanho
para atravessar o século
de ponta a ponta – flecha escusa – e ser
perene assombro dos mortais
– a morte.

in A Pousada do Ser

SERENA

Essa ternura grave
que me ensina a sofrer
em silêncio, na suavi-
dade do entardecer,
menos que pluma de ave
pesa sobre meu ser.
E só assim, na levi-
tação da hora alta e fria,
porque a noite me leve,
sorvo, pura, a alegria,
que outrora, por mais breve,
de emoção me feria.

OS LIRIOS
Certa madrugada fria
irei de cabelos soltos
ver como crescem os lнrios.

Quero saber como crescem
simples e belos — perfeitos! —
ao abandono dos campos.

Antes que o sol apareзa
neblina rompe neblina
com vestes brancas, irei.

Irei no maior sigilo
para que ninguйm perceba
contendo a respiraзгo.

Sobre a terra muito fria
dobrando meus frios joelhos
farei perguntas а terra.

Depois de ouvir-lhe o segredo
deitada por entre os lнrios
adormecerei tranqьila.

RESTAURADORA

A morte é limpa.
Cruel mas limpa.

Com seus aventais de linho
— fâmula — esfrega as vidraças.

Tem punhos ágeis e esponjas.
Abre as janelas, o ar precipita-se
inaugural para dentro das salas.
Havia impressões digitais nos móveis,
grãos de poeira no interstício das fechaduras.

Porém tudo voltou a ser como antes da carne
e sua desordem

PRIMAVERA

Depois do inverno que fora rude
e fechara os caminhos com seus passos de neve,
certa manhã em que havia bailado de borboletas,
desabrochou à altura de minha janela
dentre o verde das folhas tenras,
a primeira rosa vermelha
do meu jardim orvalhado de lágrimas.

Essa rosa era tua, Senhor, era tua,
viera ao mundo para dar-te um momento de glória,
ascender a ti nas asas do aroma
e desfolhar-se, após, delicadamente a teus pés,
em grandes gotas de sangue.

Mas o inverno fora rude,
os caminhos tinham estado fechados pela neve
e as borboletas bailavam tão levemente aquela manhã,
que tomei para mim tua rosa vermelha
e escondi minha face entre suas pétalas
e aspirei seu perfume
e me feri por gosto nos seus espinhos
e tão sofregamente a acariciei,
que ela se desfolhou contra o meu coração.

Henriqueta Lisboa – do livro: Velário (1930 – 1935)

SERENA
Essa ternura grave
que me ensina a sofrer
em silкncio, na suavi-
dade do entardecer,
menos que pluma de ave
pesa sobre meu ser.

E sу assim, na levi-
taзгo da hora alta e fria,
porque a noite me leve,
sorvo, pura, a alegria,
que outrora, por mais breve,
de emoзгo me feria.

EXPECTATIVA

Neste instante em que espero
uma palavra decisiva,
instante em que de pés e mãos
acorrentada estou,
em que a maré montante de meu ser
se comprime no ouvido à escuta,
em que meu coração em carne viva
se expõe aos olhos dos abutres
num deserto de areia,
— o silêncio é um punhal
que por um fio se pendura
sobre meu ombro esquerdo.

E há uma eternidade
que nenhum vento sopra neste deserto!

DEPOIS DA OPCAO

Um reposteiro o mais espesso
caia sobre a tragédia dos Andes.
Os que a viveram não falem.
A língua que provou a carne
de seus irmãos emudeça
da mais humana miséria
para não se desnaturar
e sem remédio
depois da opção.

Em estátuas de pedra
se transformem os seres
que amargaram a ponto
de negação a si mesmos
imprensados
entre o vulcão do sangue
e a geleira: fantasmas
caminhando brancas nódoas
negras hóstias em travo
depois da opção.

A dor de quem viu palpou
compreendeu e perdoou
o que a si próprio não
se perdoaria é covardia.
Heróica é a dor dos que sofrem
não pela fome ou sede ou frio
ou cegueira que sofreram
mas pela crua memória
do jamais deglutido
nos desvãos ruminando
entre a alma e os ossos
depois da opção.

VISITA

No alto do morro há um cemitério humilde
onde o Poeta foi enterrado.
O túmulo do Poeta é um canteiro de corolas silvestres.
E na cruz de madeira igual às outras
o seu nome se apaga.

Ao lado do cemitério humilde
há uma igreja em silêncio.
O mato irrompe em torno, quente e aromal.
Pássaros cantando nítidos
tecem fios de prata entre as árvores.
E o céu brilha como um puro cristal.

Na descida do morro se apinham casebres.
A cidade lá embaixo nada percebe.
E as cousas são irremediáveis.

Pois amanhã os homens farão justiça:
e substituirão por mármores álgidos
e alegorias numerosas
isso que faz tão leve a terra
sobre o corpo do Poeta.

Henriqueta Lisboa – do livro: Prisioneira da Noite (1935-1939)

CANCAO DO BERCO VAIZO

Canção do berço vazio
nunca a ninguém acalenta,
nenhuma voz a cantou.

Canção de lábios cerrados
que estremeceu no silêncio
muito antes de ter princípio.

Canção de peito oprimido
que não encontra palavras
porque nem o berço existe.

Ah! quem sonhara acalantos,
fontes escorrendo leite
para inconcebidos anjos?

Num país irmão da noite
canção da loucura mansa
para ouvidos que não ouvem…

Canção do berço vazio
entrecortada de pratos
e de risos escondidos…

Lá do outro lado do mundo
canção sem nenhum sentido
pobre louca está cantando.

MERIDIANO

Sob o peso da terra
sob o rolar das águas
sob a neve nívea
longo é o Solilóquio.
Sem clareira nem réstia
que lhe desdoure o signo
dentro da noite estóica
do absoluto perdura
– diamante negro – o Solilóquio.

Porém há quanto quanto tempo?
Não há lustros nem ciclos
nem medida plausível
para aferir o tempo – eterno
mineral que resiste
à duração do Solilóquio
após o breve Diálogo suspenso.

Breve amêndoa de beijo
entre sonhos a furto
ou no jogo da esgrima
álgido toque de aço,
algo de vivo e de incorrupto
o Solilóquio perpetua
nas suas criptas de remanescência.
Talvez em função de semente
para reinício do Diálogo.

E de novo incisivo
levita num assomo o Diálogo:
aura de relâmpago cinde
céus e montes ao meio,
por amplexos abarca
frança e frança em coroa,
constrói reinos, abate-os
sem rebuços, à superfície.
Porém ao vir da aurora
da árvore já tombou
ácido fruto ao solo.

Sob o peso da terra
sob o rolar das águas
sob a neve nívea
vinga – expectante –
o Solilóquio.

(in O Alvo Humano)

A JOIA

Diz o incauto: que fria
maravilha! Que fria
orvalhada translúcida! Que frio
artefacto sem jaça!

De que neve nasceu, à luz
de que lua polar, de que polidas
superfícies da morte?

Que relva de açucenas
reclinou, que gratuitos
nimbos etéreos pervagou,
antes de talhada em facetas?

Diz o incauto. E ignora
que esse duro diamante
– amarga amêndoa, câncer
da terra – em cujo
seio a tribulação
seu cajado plantou,
esse diamante duro
de seiva, é um círculo
de fogo, fogo surdo,
fogo do eterno, aprisionado
à coação do minuto.

(in Azul Profundo)

CONVITE

Eu sou a amiga dos que sofrem.
Aproxima-te do meu coração, Amado.
Amado, conta-me teus segredos.
Onde nasceu a tristeza que nos teus olhos mora,
que causa tem a palidez que unge teus lábios
e esse tremor que tuas mãos comunicam às minhas?

Por que não vens, à hora confidencial do crepúsculo
sobre o banco de pedra esquecido entre árvores,
junto à fonte chorosa
e os afagos do vento perfumados de flores,
derramar no meu coração
as palavras reveladoras
que me fariam participar da tua amargura,
do teu desespero,
ou simplesmente do teu cansaço de viver?…

Quando desfalecesse a tua voz em sussurro
e o luar surgisse acariciando o céu em penumbra,
talvez, Amado, talvez sorrisses,
vendo aflorar nos meus olhos noturnos
a lua pequenina da lágrima.

Henriqueta Lisboa – do livro: Prisioneira da Noite (1935 – 1939)

SEQUITO

Seguir o rei
por toda parte
antes que a coroa
lhe caia

O DIA AZUL

O dia azul antecipou-se
ao lento despertar dos bosques.
Tudo azul! diziam em coro
os de pálpebras abertas.
Porém os olhos em refolhos
só descobriam sobre a relva
a minudência dos miosótis.

O dia azul veio em atraso
na esperança de contemplado.
É tempo ainda azul sem nuvens!
anunciavam vozes de alerta.
Porém os olhos em refolhos
já se esqueciam junto à relva
na intimidade dos miosótis…

SOFRIMENTO

No oceano integra-se (bem pouco) uma pedra de sal.
Ficou o espírito, mais livre que o corpo.
A música, muito além do instrumento.
Da alavanca, sua razão de ser: o impulso.
Ficou o selo, o remate da obra.
A luz que sobrevive à estrela e é sua coroa.
O maravilhoso. O imortal.
O que se perdeu foi pouco.
Mas era o que eu mais amava.

FIDELIDADE

Henriqueta Lisboa
Ainda agora e sempre
o amor complacente.
De perfil de frente
com vida perene.
E se mais ausente
a cada momento
tanto mais presente
com o passar do tempo
à alma que consente
no maior silêncio
em guardá-lo dentro
de penumbra ardente
sem esquecimento
nunca para sempre
doloridamente.

CHUVA

Chuva torrencial carregada
de frutos. Chuva exausta
de longos braços
pendentes.

Chuva nos campos da fatalidade
entregando bandeiras.

Música opulenta de rios
que se despenham.

Durante noites e noites.

As criaturas estão à espera
Protegidas pelas paredes
E a palavra — sol
Unge todos os lábios.

Só eu na minha imensidade sem teto,
só eu te suporto o peso,
só eu te sorvo esse gosto,
de morte.

Chuva, plenitude amarga
de derrota.

Sinto que és retorno,
corpo cansado de espírito,
corpo vencido,
corpo
que se entrega
pesadamente
à terra.

SOLEDAD

De hombre en la soledad
— ¡qué perenne soliloquio! —
Habla profundo a si propio.

Habla a Dios con frases claras;
fluyen de las mismas aguas
por la eternidad en curso.

Con voz temblorosa habla
Para que yerbas y musgos
la palabra testifiquen.

Habla con vientos diversos
para que el mensaje lleven
del horizonte ai oído.

Testigos hace a las rocas
porque las estrellas oigan
desde la piedra de asiento:

«De piedra de soledad
he de levantar un templo».

(De Montanha Viva – Caraça -, 1959)